“E de repente as coisas haviam endurecido, uma orquestra rebentara em sons tortos e silenciara imediatamente, havia alguma surpresa triunfante e trágica no ar. Eu descobri que no fundo não havia em mim surpresa; que tudo caminhava lentamente para aquilo e agora se precipitara no seu verdadeiro plano. [...] Ninguém precisava mais mentir, uma vez que eu já sabia tudo! Também agora me precipitarei em outro estado. Por quê? Por quê? Vou embora daqui, vou para casa, de um instante para o outro o rasgão no vestido, ouvir o grito lancinante da orquestra e subitamente o silêncio, todos os músicos caídos mortos sobre o estrado, no grande salão zangado e vazio. Olhar de frente para o rasgão, mas sempre tive medo de rebentar de sofrimento, como o grito da orquestra. Ninguém sabe até que ponto posso chegar quase em triunfo como se fosse uma criação: uma sensação de poder extra-humano conseguida em certo grau de sofrimento. Porém um minuto mais e a gente não sabe se é de poder ou de absoluta impotência, assim como querer com o corpo e o cérebro movimentar um dedo e simplesmente não consegui-lo. Não é simplesmente não consegui-lo: mas toda as coisas rindo e chorando ao mesmo tempo. Não, seguramente não inventei esta situação, e é isso o que mais me surpreende. Porque minha vontade de experiência não chegaria a provocar esse ferro frio encostado na carne morna, finalmente morna da ternura de ontem. Oh, não se fazer de mártir: você sabe que não continuaria no mesmo estado por muito tempo: de novo abriria e fecharia círculos de vida, jogando-os de lado, murchos... [...] Sobretudo não houve transformação essencial, tudo isso já existia, houve apenas o rasgão do vestido indicando as coisas. E realmente, realmente, realmente, dor de cabeça, cansaço, realmente tudo caminhava para isso.”
Clarice Lispector