"Conheço-lhe
os males, meu amigo, e reconheço a oportunidade de suas considerações.
Após
o surgimento da sublime luz da crença em sua alma, parece-lhe a paz um mito
distante. “Meu coração ganhou fé – assevera-se você –, mas perdeu a
tranquilidade.” A palestra inteligente de preciosos amigos não acende em seu
espírito o interesse de outro tempo. Se falam de economia, lembra você o
serviço imenso de Jesus no setor da repartição dos bens terrestres; se comentam
a política, você recorda o programa do Cristo nas atividades do amor ao
próximo. Quando a Ciência, a Arte e a Literatura não sintonizam com as suas
aspirações presentes, doloroso tédio invade-lhe o coração. Tolera as
conversações sem movimentá-las e é com esforço que, muita vez, acompanha os
comentários da vida e do mundo no círculo dos parentes, aos quais deve o
tesouro dos júbilos familiares.
A
espiritualidade superior é, agora, sua preocupação dominante. Em muitas
ocasiões, assemelha-se ao homem de um velho conto, de minha meninice, perdido
em gruta escura e selvagem, procurando acesso ao oxigênio leve do campo.
Antigamente,
o mundo materializado fascinava-lhe os olhos. Era preciso correr na conquista
de conhecimentos e vantagens, instalar a personalidade na galeria da evidência
social e política e adaptar-se às dominações do momento, a fim de atender aos
imperativos da existência terrestre. Mas, depois... Uma luz forte colheu-lhe a
mente na estrada. Deslumbrado a princípio, você acreditou que era mais uma
lâmpada festiva, no castelo das sensações; no entanto, aos poucos, reconheceu
que não se tratava de uma claridade como as outras. Porque você tratou sempre
os problemas da vida alimentando o firme desejo de acertar, encontrou a luz
elevados recursos em sua sinceridade, e penetrou seu país interior, devagarinho,
iluminando-lhe a consciência. Desde então, nasceu novo entendimento em sua
alma. Transformaram-se as paisagens internas e externas. Muitos quadros que lhe
pareciam grandiosos, tornaram-se insignificantes. Situações invejáveis, que
noutra época seduziam seu coração, constituem hoje zonas escuras de que você
foge naturalmente amedrontado. Vantagens converteram-se em perigos, conquistas
em responsabilidades, e muitos ganhos que se lhe figuravam indispensáveis na
tabela de aquisições do mundo representam agora para você derrotas e perdas,
que é necessário evitar em benefício de sua própria felicidade.
Desajustado!
Desajustado!
Seu
pensamento repete essa definição todos os dias e seus velhos afeiçoados renovam
a mesma observação. Debalde, procuram nos seus gestos, atitudes e palavras o
homem que você já foi. Alguns afirmam que a velhice prematura se assenhoreou de
seus dias; exclamam outros que a experiência religiosa lhe embotou o
raciocínio. Você mesmo, em momentos de prova mais áspera, se esforça
inutilmente por tornar ao passado. Todavia, não é mais possível o caminho de
regresso. A verdade domina a fantasia e você é compelido a permanecer na mesma
posição de deslocamento espiritual.
Desajustado!
Desajustado!"
Irmão X