Preferia estar só para apreciar o silêncio que se fazia em sua mente naquele momento. Seu amado, repousava em sonhos expressos pelas sinalizações ocorridas de tempos em tempos de suas mãos ágeis. Ele o observava pela janela, à distância de um cômodo e, mesmo à meia luz, podia perceber a graciosidade de seu corpo seminu coberto pelo tênue tecido que cobria-lhe o peito.
Agradecia aos espíritos protetores que proporcionaram o encontro nesta vida de seu companheiro, mesmo ciente da reprovação destes pela escolha maculosa da intoxicação de seu corpo, instrumento de trabalho que se recuperava às custas da reserva de energia que já apresentava certo déficit por sua imoderação.
A sensação de gratidão percorria as memórias da vida a dois, nos quase sete anos de convivência: dos risos em comum, das discordâncias mantidas, das soluções criativas e mesmo das angústias partilhadas. Ele observava entre a grade que protegia a janela da casa alugada às pressas, no advento do Natal passado, em vigília àquele que lhe devotou seus medos mais íntimos e lhe confiou a guarda de seu coração. Em contrapartida, se despiu de suas defesas para que seu amado pudesse vê-lo além de seu enrijecimento, com seus vazios e compulsões, para que o visse por inteiro. Este, por sua vez o acolheu e trazendo-lhe lúmen, selou uma aliança de cumplicidade com ele.
Mesmo após a brasa consumir-se em fumaça e suor frio ou o líquido esgotar-se do recipiente, ele demorava-se de pé, sob o firmamento estrelado, apoiando-se na grade, à janela, enlevado pela ternura da silhueta luminosa que repousava a um cômodo de distância e dentro de seu peito; para só então voltar para dentro de casa e preparar-se dormir.