Ao Augusto Havynner
A
claridade era tanta que ofuscava sua visão mesmo com os olhos fechados. Pálpebras
rosadas e um calor seco eram suas únicas percepções naquele horário, e sua
imaginação evaporava apenas pensamentos abrasados. Eram dessa maneira os meios-dias
dele.
Quando
ele chegava da escola com a cabeça quente das caçoadas dos colegas, e os olhos
escaldados pelas lágrimas não derramadas, devido o orgulho ferido, adentrava a
casa, à meia-corrida, para tirar o uniforme sufocante e sentir-se livre de mais
outra manhã afogueada naquele colégio. A roupa ia para o cesto e os pensamentos
para o chuveiro da área externa da casa.
Saia
nu, meio saltitante, para fazer o xixi que segurava toda manhã por medo de ir
ao banheiro e os meninos mais velhos estarem lá, mais uma vez. Ver sua urina
amarela escorrer sobre o cimento quente lhe aliviava um pouco a pressão a qual
vivia. E ele abria logo o chuveiro para cair a água quente e lavar aquela falta
de educação. Quando a água já saia fria, entrava sob o jato do chuveirão e
ficava lá, de olhos fechados, sentindo o contraste do vento quente e a água
fresca.
Era
com os olhos fechados e o rosto erguido que fitava a claridade, deixando
escapar o calor de seu corpo e as dores de sua alma. Ao baixar a cabeça, abria
os olhos e enxergava o vapor serpenteando após as gotas caírem ao longe, no
cimento quente. Então algo doeu dentro de si, por estar tão quente e o chão não
ter como se esfriar. Colocou as mãos em concha para aparar água e começou a
aspergir ao longo do pátio ensolarado.
Jogava
água com a mesma urgência que fugia dos meninos mais velhos da escola e dizia
baixinho: “calma, eu vou te proteger; tudo vai ficar bem!”. E o chão ia, bem
aos poucos, esfriando. À medida que as gotas caiam, logo evaporavam, mas ele
não desanimava; continuou molhando mais e mais o cimento quente e só parou
quando percebeu que ele, o cimento, estava emocionado, cheio de lágrimas que
escorriam para os regos ao pé do muro.
Desligou
o chuveiro, correu à cadeira onde ficava estendida sua toalha, secou-se
brevemente e sorriu para o pátio que aos poucos secava aquelas lágrimas de
gratidão.
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