domingo, 10 de agosto de 2008

O olhar cínico de sorriso triste

Olharam-se há tempos. Enxergaram-se há apenas um ano.
Há um ano, os olhos tristes de um garoto viram as sutilezas do sorriso cínico de um certo rapaz. Há um ano a malícia dos lábios de um garoto acariciou o olhar de um certo rapaz.

Já estavam ficando há aproximadamente um mês e a vontade de estar juntos quase derrocara a discrição que começavam a acostumar-se. Seria o momento oportuno para compartilhar a vivência do amor com os amigos? Arriscariam? Os olhos tremiam e os lábios fechavam-se com tal pensamento... mas o anseio de contato era maior. Viam-se sempre, beijavam-se quando dava. Foi entre um olhar e a tentativa de um beijo que a pergunta veio: Vocês são gays?
O olhar tornou-se mais triste, o sorriso mais cínico... a eloqüência do silêncio pronunciou finalmente: Somos namorados.

Vieram então as felicitações e com elas a emoção de sentirem-se acolhidos por muitos, respeitados por todos e abençoados por Deus.

– Cara, será que eu agüento tanta felicidade? Eles...
– ... são perfeitos mesmo. Os melhores!
Os lábios já pronunciavam meias palavras para se completarem nos olhos; assim como o prazer, mesmo agora, completa-se na companhia de seus amigos e na intimidade de ambos. Seus corpos complementam-se no sexo e este se realiza em suas almas. Por isso não gozam (apenas), têm orgasmos.

– Quanta coisa doida a gente já passou, não?!
– Quanta coisa boa a gente já passou!
– Lembra de quando a gente armou com a galera pra acampar na praia?
– Só pra nós dormimos coladinho um no outro e o Marquinho caiu bêbado em nossa barraca e tivemos de dar banho nele porque ele tinha vomitado a camisa toda depois de entrar naquela disputa de vodka com... quem mesmo?
– A Margá.
– Isso! A Margá começou com estória da vodka só porque a Danni tinha terminado com ela.
(risos)
– Deu tudo errado naquele dia, esquecemos a tralha quase toda.– os olhos tentavam rememorar a cena.
– O Bbsouro ainda se perdeu na estrada com a Angélica, o Marquinho e a Trance.
– Se perdeu nada, o Marquinho me disse que ele fez de propósito.
– Ahn?
– Mas é bobo mesmo! Oh...Marquinho e Trance, Angélica e...
– Mentira! Eu sabia que o Marquinho já tava ficando com a Trance, mas do Bb e a Angel!!! Hei, não foi no mesmo dia que a Trance os apresentou? Bb safado! Arrochou a Angélica.
– Nan... a Angélica que arrochou.
(risos risos risos...)

Há certa altura brigaram. Uma garota quis tocar aquele sorriso cínico e ele deixou ocorrer o contato. Os olhos acenderam-se, não mais tristeza refletiam. A ira, então tomara de conta não só do olhar e palavras impensadas ecoaram pelos medos da perda.
Choraram, confessaram-se, perdoaram-se.
Era a absoluta certeza que não conseguiriam viver no espectro da ausência.

Um ano se passara desde o sutil afago entre o sorriso e o olhar. E estavam cara a cara: nus, na completude do termo... defesas já não cabiam entre eles, apenas.
Ainda estão se conhecendo, descobrindo-se:
– Por que você não sustenta o olhar nos olhos das outras pessoas?
– Eu olho nos olhos das pessoas. – um acanhamento ruborizou-lhe a face.
– Você é cínico como seu sorriso. – beijou-lhe os lábios em um largo sorriso.
– E você no fundo não tem a tristeza do seu olhar... Eu não olho as pessoas nos olhos, eu sorrio para elas... talvez meus lábios não dissessem o que meus olhos deixam escapar.
(silêncio)
Ambos sabiam do medo de se perder no contato com o íntimo das pessoas daquele rapaz. Ambos sabiam também, que no olhar daquele garoto repousava, não a tristeza, mas o profundo desejo de ser compreendido.
Além de namorados, são cúmplices. E tal cumplicidade fizeram lágrimas se perderem entre as faces que se tocavam, enquanto sussurros de eu te amo embalavam cadencialmente os corpos excitados daqueles dois meninos que se tornavam homens nos braços um do outro.