domingo, 3 de julho de 2016

Empatia


Ao Augusto Havynner

A claridade era tanta que ofuscava sua visão mesmo com os olhos fechados. Pálpebras rosadas e um calor seco eram suas únicas percepções naquele horário, e sua imaginação evaporava apenas pensamentos abrasados. Eram dessa maneira os meios-dias dele.

Quando ele chegava da escola com a cabeça quente das caçoadas dos colegas, e os olhos escaldados pelas lágrimas não derramadas, devido o orgulho ferido, adentrava a casa, à meia-corrida, para tirar o uniforme sufocante e sentir-se livre de mais outra manhã afogueada naquele colégio. A roupa ia para o cesto e os pensamentos para o chuveiro da área externa da casa.

Saia nu, meio saltitante, para fazer o xixi que segurava toda manhã por medo de ir ao banheiro e os meninos mais velhos estarem lá, mais uma vez. Ver sua urina amarela escorrer sobre o cimento quente lhe aliviava um pouco a pressão a qual vivia. E ele abria logo o chuveiro para cair a água quente e lavar aquela falta de educação. Quando a água já saia fria, entrava sob o jato do chuveirão e ficava lá, de olhos fechados, sentindo o contraste do vento quente e a água fresca.

Era com os olhos fechados e o rosto erguido que fitava a claridade, deixando escapar o calor de seu corpo e as dores de sua alma. Ao baixar a cabeça, abria os olhos e enxergava o vapor serpenteando após as gotas caírem ao longe, no cimento quente. Então algo doeu dentro de si, por estar tão quente e o chão não ter como se esfriar. Colocou as mãos em concha para aparar água e começou a aspergir ao longo do pátio ensolarado.

Jogava água com a mesma urgência que fugia dos meninos mais velhos da escola e dizia baixinho: “calma, eu vou te proteger; tudo vai ficar bem!”. E o chão ia, bem aos poucos, esfriando. À medida que as gotas caiam, logo evaporavam, mas ele não desanimava; continuou molhando mais e mais o cimento quente e só parou quando percebeu que ele, o cimento, estava emocionado, cheio de lágrimas que escorriam para os regos ao pé do muro.

Desligou o chuveiro, correu à cadeira onde ficava estendida sua toalha, secou-se brevemente e sorriu para o pátio que aos poucos secava aquelas lágrimas de gratidão.