domingo, 30 de setembro de 2012

A Roda das Revoluções, Joaquim, aponta mais uma vez novo ciclo!


Mas a primavera chegou quente, insuportavelmente consumidora, feito às labaredas que margeiam a estrada que me leva para casa.
 
Há ainda a vegetação tisnada que se abriga do tempo em vestes pastéis de exuberância estática à espera da chuva. Eu também a espero ao abrigo do sol, mas não me impaciento. Sei que ela virá, seja em nuvens grises que gestam sobre a cidade serrana, seja em torrentes formadas na última hora, que escapariam do céu a pancadas e fariam grande estrago na terra revolta pelo vento árido.
 
É época de florir e já aguei meu coração nos últimos contatos. Ontem arranquei algumas cascas que prendiam minhas sementes e este texto é da primeira florada. No entanto há ainda outras, mais resistentes. Resilientes. E é preciso água límpida para amolecê-las.
 
Na verdade, a primavera é uma grande interseção de possibilidades, mas me falta tato, jeito de lidar com elas. Quais se devem tornar objetivos? – É bem disto que trato: quais sementes deixarei florir? Algumas precisam ser jogadas fora (para alimentar outros animais), pois a messe de todas é parca e não dá para alimentar sonhos.
 
Sendo todas semeadas, as flores serão raquíticas e não encherão muitos sorrisos. Quais escolher? Com a chuva seria mais fácil. Todavia esta passa ao longe, para lá de quaisquer realizações. Não peço aos céus luz; ela sempre me foi dada. Peço chuva para continuara a florescer.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Antes da última vez



Mas eu não sabia se ele estava indo ou vindo. Meus olhos inundados de lágrimas não permitiram a distinção entre o que eu desejava e o que ocorria.

Era nossa penúltima aproximação que já apontava para o caminho solitário da volta à coisa mesma: eu cá, ele lá, e o mundo ao redor a ser experimentado. Na penúltima conversa não houve barreiras, porém não houve entusiasmo; tratamos de cansaços e de situações estáticas, de dilemas e das longínquas possibilidades de mudanças.

Na penúltima caminhada não falamos de planos nossosestes não existiram. Falamos de nossas vidas às sós, pois o que cada um colheu nos encontros antes do penúltimo foram apenas possibilidades de nós mesmo.

Percebo que foi a impossibilidade-do-nós que embaçou minha visão e enquanto ele ia ou vinha, eu agradecia a Deus por mais aquele momento, mesmo sendo o penúltimo e não haver outro caminho de continuarmos juntos e ainda assim, estarmos livres.

Então, noutro momento, ele me falou do que não sentia e pude ver claramente o que já não era necessário pressupor: não se tratava mais do penúltimo encontro, pois desta vez, mesmo com os olhos encharcados, eu soube que ele realmente ia e era eu quem vinha.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A pequena morte



Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu voo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.
Eduardo Galeano – Livro dos Abraços