quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Tia Maria Luísa


Reviver um luto tão no início do ano me faz invariavelmente tocar na ferida, agora fechada, da perda da Mãe Helena.

A respiração forçando, inutilmente, o coração desacelerar um pouquinho, oprime de dentro para fora. Assim como as conversas alheias à perda, às perdas… Conversas cotidianas e a folia das crianças com seus gritos e corridas divertidas irritam-me e me oprimem mais. Mas elas não têm culpa, estão vivendo, apenas isso.

Quando eu era criança gostava de vir à casa da tia “Mariluísa”. Vínhamos de bicicleta papai guiando, eu no varão e mamãe na garupa; ao entardecer dos sábados saíamos para falarem dos episódios da família do papai. Eu ouvia a todos. Ouvia mais que brincava. Ouvir os adultos era o que mais fazia quando íamos visitar o “Tizé-Moreira” e a tia “Mariluísa”.

Aqui no Batalhão era onde a gente comia arroz-de-leite. Tia Maria Luísa sempre o preparava em minha infância. E trazia à roda de risos e estórias cearenses vindas de Crateús na linhas férreas. Era também o lugar onde se louvava a Deus com bíblias que qualquer um poderia ler e eu ouvia aleluias após a leitura de alguns trechos da palavra de Deus.

Era uma família de crentes, mas sempre me cobravam a bênção dos tios, como se católicos fossem. Mesmo a tia Maria Luísa, irmã evangelizadora da Escola Dominical me pedia a bênção. Mas não deixavam de comer carne vermelha na Semana Santa. E eu temia que eles fossem castigados.

Nas férias da escolinha eu tocava nossa vaca nas manhãs, cedinho, para que ela fosse pastar nos terrenos depois dos trilhos e às vezes parava na casa dela só pra pedir a bênção de minha tia crente. Achava que era  um deus-te-abençoe diferente, e vinda de um deus que não tinha velas, santos ou almas em volta dele.

Hoje ela adormeceu em Cristo, espero revê-la quando eu me for também. Não no Dia do Juízo. Gostaria que fosse antes para dar tempo de pegar em sua mão e dizer: bença tia Mariluísa!