sexta-feira, 25 de setembro de 2009

E agora, Maria?


Maria não sabia o que ocorria, mas já estava antevendo o “é que você é boa demais e não quero fazer você sofrer... blah... blah... blah...” – era sempre assim: entregava-se ao amor com toda delicadeza, coração palpitante de novas emoções e quando menos esperava, dava-se conta que tudo ruía novamente. Outro ciclo concluir-se-á em pouco tempo. E já é chegada a hora de dar mais uma vez adeus. Um aflito, angustiante e necessário adeus.

O que Maria não suportava nisto tudo não era o esmigalhar de uma relação recíproca – por mais que desejasse, (não) nunca houve reciprocidade! – nem ter de recomeçar mais uma vez. Não suportava a ideia de que (estivesse) estivera sozinha numa relação e era o que fatalmente acontecia, quando não estava mais sendo conquistada, quando a brincadeira-de-cativar-o-coração-de-mariazinha acabava. E a brincadeira sempre acabava quando era sua vez de jogar. Que sina!

A garota também se angustiava por, mais uma vez, perceber-se deslocada num mundo onde os brinquedos mais divertidos eram formados nas rasas relações de sentimentos frouxos e que, para ela, não tinham a menor graça. Por isso ela sabia que era exceção, ainda era exceção, e já não sentia necessidade de inclinar-se para espiar o amor cotidiano, sempre aquém de si. Sua índole não lhe permitiria. Entrar no jogo seria desvirtuar o que mais importava em sua vida: o amor. Para esta traição de si não havia disposição.

É só uma pausa, uma cauterização e um beijinho de quando-casar-sara para Maria continuar sua busca sem arrefecer. Afinal, suas disposições formam um manancial do qual brota os mais voláteis e rarefeitos traços de amor. E da mesma maneira que ela o cultiva em suas relações, necessariamente profundas, continuará buscando-o em sua forma mais pura. Basta passar o tempo da cicatrização, Maria voltará à ativa, e ainda uma vez se deixará entrar na brincadeira-de-cativar-o-coração-de-mariazinha, talvez tenha mais sorte.

É assim. Tem de ser assim. De outra forma não poderia usar a denominação “Eu aMaria”!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Fritz Tegularius ou uma de minhas encarnações futuras

Tegularius era um caráter voluntarioso, caprichosos, sem vontade séria de se integrar, encantador, é verdade, pela vivacidade de sua mente nos momentos de inspiração; quando borbulhava sua graça de cunho pessimista ninguém podia subtrair-se ao atrevimento e por vezes à magnificência sombria de suas idéias. Mas no fundo era um incurável, porque não queria ser curado, não apreciava harmonia nem integração, nada amava a não ser a sua liberdade, seu eterno estado de estudante, e preferia ser a vida inteira sofredor, o imprevisível, o teimoso individualista, o louco genial e o niilista a trilhar o caminho da submissão à Hierarquia e alcançar a paz. Não fazia caso da paz, não dava nenhuma importância à Hierarquia, pouco se importava com repressões e o isolamento. Uma existência extremamente incômoda e intragável numa comunidade cujo ideal são a harmonia e a ordem. Mas justamente por essa dificuldade e esse desajuste ele era, no meio de um pequeno mundo tão esclarecido e ordenado, agitação constante e viva, uma censura, uma exortação e uma advertência, um estímulo a idéias novas, proibidas, ousadas, uma ovelha teimosa e travessa no rebanho. [...] De fato, ele era [...] um elemento que despertava, uma escotilha aberta para novos panoramas.
[...]
Era formidável e delicioso que existisse alguém assim

HESSE, Herman. O jogo da contas de vidro.
[trad. Lavinia Abranches Viotti, Flávio Vieira de Souza].
3. ed. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2008. p.321-323.

Poucos espelhos são tão verossímeis quanto os escritos de Hesse.