terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Em encontro desde a véspera

Ao Lucas Barros

Era um ritmo conhecido que fora há muito apreciado, mas não foram os sons que prenderam minha atenção, eles apenas embalaram minha vibração naquela noite. Minha atenção era hipnotizada pelo fluir de um corpo com movimentos leves e mãos comunicativas.

A princípio era apenas a fascinação do olhar; a vontade de tornar-me figura fez brotar o desejo do contato, então o convidei para dançar comigo — Não! — lacônico suficiente para arrefecer apenas o entusiasmo. A noite continuaria invariavelmente estando eu satisfeito ou não; então entrei no movimento dos amigos quando novo ritmo invadiu a pista.

A temperatura subiu com os movimentos sensuais do festim que se esparramava agora por todo ambiente, quando, no interlúdio para uma bebida, um toque tépido em meu ombro esquerdo me fez virar para ouvir um pedido de desculpas e breves justificativas pela descortesia daqueles olhos vivazes e face ruborizando-se. Desculpas aceitas. Uma apresentação formal. Meu toque quente em seu ombro, enquanto um sorriso brotava em seus lábios. Então ele se foi.

O festim continuava e a curiosidade dos amigos foi satisfeita para retomarmos aos movimentos interrompidos. Ao final estava sedento, outra pausa para bebida, então a proposta da amiga — Achei o boy, você quer ir lá? — Vamos!

— Artur?!

— Não. Lucas.

— Nomes sempre são problemáticos pra mim.

— Pra mim também. Qual seu nome mesmo?

— Joaquim.

Sorrisos simultâneos, movimentos afinados, olhares penetrantes formaram o prelúdio daquele contato, até que os corpos figuraram um para o outro. Naquele terceiro momento de contato ele me tocou pelo contraste entre o adocicado de sua boca e o gosto salgado de sua pele molhada que exalava um aroma de desejo meio ruborizado.

Iniciamos então nosso encontro com um convite para conversarmos; quando pude começar a descobrir suas interessâncias, elencar outras afinidades, gargalhar em conjunto e formatar a resolução de permanecer em encontro.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Tia Maria Luísa


Reviver um luto tão no início do ano me faz invariavelmente tocar na ferida, agora fechada, da perda da Mãe Helena.

A respiração forçando, inutilmente, o coração desacelerar um pouquinho, oprime de dentro para fora. Assim como as conversas alheias à perda, às perdas… Conversas cotidianas e a folia das crianças com seus gritos e corridas divertidas irritam-me e me oprimem mais. Mas elas não têm culpa, estão vivendo, apenas isso.

Quando eu era criança gostava de vir à casa da tia “Mariluísa”. Vínhamos de bicicleta papai guiando, eu no varão e mamãe na garupa; ao entardecer dos sábados saíamos para falarem dos episódios da família do papai. Eu ouvia a todos. Ouvia mais que brincava. Ouvir os adultos era o que mais fazia quando íamos visitar o “Tizé-Moreira” e a tia “Mariluísa”.

Aqui no Batalhão era onde a gente comia arroz-de-leite. Tia Maria Luísa sempre o preparava em minha infância. E trazia à roda de risos e estórias cearenses vindas de Crateús na linhas férreas. Era também o lugar onde se louvava a Deus com bíblias que qualquer um poderia ler e eu ouvia aleluias após a leitura de alguns trechos da palavra de Deus.

Era uma família de crentes, mas sempre me cobravam a bênção dos tios, como se católicos fossem. Mesmo a tia Maria Luísa, irmã evangelizadora da Escola Dominical me pedia a bênção. Mas não deixavam de comer carne vermelha na Semana Santa. E eu temia que eles fossem castigados.

Nas férias da escolinha eu tocava nossa vaca nas manhãs, cedinho, para que ela fosse pastar nos terrenos depois dos trilhos e às vezes parava na casa dela só pra pedir a bênção de minha tia crente. Achava que era  um deus-te-abençoe diferente, e vinda de um deus que não tinha velas, santos ou almas em volta dele.

Hoje ela adormeceu em Cristo, espero revê-la quando eu me for também. Não no Dia do Juízo. Gostaria que fosse antes para dar tempo de pegar em sua mão e dizer: bença tia Mariluísa!