quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Fritz Tegularius ou uma de minhas encarnações futuras

Tegularius era um caráter voluntarioso, caprichosos, sem vontade séria de se integrar, encantador, é verdade, pela vivacidade de sua mente nos momentos de inspiração; quando borbulhava sua graça de cunho pessimista ninguém podia subtrair-se ao atrevimento e por vezes à magnificência sombria de suas idéias. Mas no fundo era um incurável, porque não queria ser curado, não apreciava harmonia nem integração, nada amava a não ser a sua liberdade, seu eterno estado de estudante, e preferia ser a vida inteira sofredor, o imprevisível, o teimoso individualista, o louco genial e o niilista a trilhar o caminho da submissão à Hierarquia e alcançar a paz. Não fazia caso da paz, não dava nenhuma importância à Hierarquia, pouco se importava com repressões e o isolamento. Uma existência extremamente incômoda e intragável numa comunidade cujo ideal são a harmonia e a ordem. Mas justamente por essa dificuldade e esse desajuste ele era, no meio de um pequeno mundo tão esclarecido e ordenado, agitação constante e viva, uma censura, uma exortação e uma advertência, um estímulo a idéias novas, proibidas, ousadas, uma ovelha teimosa e travessa no rebanho. [...] De fato, ele era [...] um elemento que despertava, uma escotilha aberta para novos panoramas.
[...]
Era formidável e delicioso que existisse alguém assim

HESSE, Herman. O jogo da contas de vidro.
[trad. Lavinia Abranches Viotti, Flávio Vieira de Souza].
3. ed. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2008. p.321-323.

Poucos espelhos são tão verossímeis quanto os escritos de Hesse.

2 comentários:

Roberta Fauth disse...

Um arrepio! Li e arrepiei, porque senti a presença frontal do tal espelho que mencionaste! Anotei o título do livro, ando precisando muito de boa leitura e o trecho me convoca a uma conversa tes-à-tet...
Obrigada!

Maria disse...

Não sei se é por isso que ele é meu preferido, ou por todo o resto. Hesse para mim expandiu ao mesmo tempo que deu forma a uns sonhos íntimos, e pensava eu, secretos. E vc, meu querido, foi quem me concedeu tal presente. Não preciso comentar da identificação, permita-me a audácia, mas creio que lembraste de mim, tanto quanto de ti, ao ler tais palavras. Teu coração é quase o meu. Meu beijo, meu carinho.