sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Sabá

Sabá deixou seus filhotes no canto da cozinha e foi à vasilha d’água. Parou um instante. Farejou algo que jamais saberia – foi o que eu pensei naquele instante – porque seus olhos amarelos voltaram-se apenas para seu reflexo. Ela acariciou a lâmina d’água com a rosada língua. Vez por outra volvia as orelhas no sentido d’algum barulho alhures. Vez por outra voltava a face para mim e mirava-me a alma.

Ela sempre debochava do que em mim via, lambendo amiúde o acetinado breu que lhe envolvia a pálida epiderme. E eu recolhia-me em minhas interrogações.

Os filhotes ainda queriam mamar e rumaram à mãe enquanto ela ainda bebia. Sabá carinhosamente lambeu suas crias e as deixou ao lado da vasilha seca. Como de costume, os gatinhos não espernearam e distraíram-se mordiscando uns aos outros. Ela observava placidamente sobre a cadeira que repousa quando está de saco cheio dos filhos.

Mais uma farejada... Mais uma curiosidade minha demonstrada apenas pelo meu olhar que seguia seus passos e me fazia perder mais uma vez a página da leitura.

A gata pulou da cadeira e caminhou mansamente em minha direção. Roçou o rabo nos pêlos de minha perna ronronando e arremedou um miado.
– O que foi gata? Hum? Por que me olhas?
Ela pulou em meu colo e quase me fez derrubar o livro.
– Nã, minha filha! Desse jeito não – ela começava a afiar suas unhas na braguilha da minha bermuda.
– Vá atrás de outro. Procure um gato – ela sorriu(?!?!)
– É muito vadia mesmo! Tás com fome? Hum? – ela pulou para o parapeito da janela.

Uma última farejada; um estrondo na tarde morna: estávamos mais uma vez contemplando a chuva. Éramos apenas nós em silêncio e o tempo nenhures.

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