quarta-feira, 8 de julho de 2009

Fugaz

O garoto não sabia como ou quando aquele gancho tinha lhe entrado no nariz. Mas até que estava gostando de sensação de dormência que ele causava em toda a sua face. Era um metal frio e mesmo com todos aqueles espirros e fungadas nunca esquentava. Achava ele que tudo era psicológico. Mas como seria isto, se ele podia sentir a ponta arredondada no meio da narina esquerda?

Vez por outra dava-lhe uma coceirinha no septo que ele não sabia ao certo se gostava ou detestava. Sentia a ponta aguda fincada no osso e receava sentir dor caso mexesse muito no já tenro ganchinho.

Seria possível que infeccionasse? Sim. É um corpo estranho em meu corpo. E se infeccionasse e eu perdesse o nariz? Não! Não vou nem pensar nisso... – ele quase se desesperava e levava os pensamentos à outra direção.

Agora vagueava pela ansiedade de um primeiro encontro. Não sabia ao certo se tinha marcado com a garota para a sessão das duas ou das quatro e quarenta. Também não ligaria para perguntar; afinal! que interesse é esse que não o faz lembrar se iram namorar um pouquinho e assistir ao filme ou assistir ao filme e namorar um pouquinho? Bem, no fundo não importa muito a ordem, ele sabia exatamente que namorariam o tempo todo, quer no cinema quer na praça de alimentação e estava feliz por isso.

E se quando estivesse se beijando ela notasse o artefato bem no meio do nariz? Ela não notaria. Só... se fosse... uns beijos daqueles... – ele sabia que os beijos seriam daqueles; ela mexia muito com ele. – Pronto! o encontro vai ser uma porcaria, uma grande piada: a garota mais gata do colégio e um... um... metaleiro com um ferro enfiado no nariz!

É isso! uma áurea de razão circundou aquela mente prenhe de sensações frias – É um piercing! Ela mesmo tem um brinco transverso na orelha direita; o que para qualquer um é um piercing – ele já estava até vendo aonde as conversas levariam eles e como faria para deter alguma delas em coisas que tinham em comum.

O metal esfriou um pouco mais e uma coceira avermelhou a ponta do nariz. Os olhos do garoto preparam-se para o espirro, mas ele não veio. Outra vez tomou fôlego, mas a coceira, agora insuportável, dispersou o ímpeto da expiração em esbravejos e palavras de mau-gosto. O garoto lavou as narinas com água; apenas o cloro queimando-lhe as mucosas. Tentou soro fisiológico; o ouvido destampou (!?!) – foi surpreendente saber que o ouvido estivera obstruído – e o espirro nada!

Resolveu deixar como estava. Agora é assim: se não dá pra mexer é que mexido já está.

[...]

O alarme do telefone toca. Uma e vinte. A sessão é das duas – lembrou – a pressa guiou-o ao banheiro, enquanto a promissora tarde de sábado preparava-lhe mais uma fugaz normalidade.

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