domingo, 10 de maio de 2009

Quando o narrador se vê personagem

Ele chegou, avistou ao largo da praça à procura de uma satisfação para o olhar, que veio apenas com a rala chuva que adensava ainda mais aquela manhã escura. Palpitavam-se ansiosamente os segundo perscrustados antes da chegada dela. Ele estava tão concentrado na espera, que nem se deu conta dos passos apressados da garota e estancados à distância de um abraço furtivo.

Foi um golpe suavemente aplicado em meio a mais-uma-olhada-no-relógio e a coçadinha-na-nuca já típicas do rapaz, de forma que os lábios dela dividiram o arrepiante beijo entre o pescoço e o dedinho dele. Resultando tudo num sorriso excitado com um quê de susto, quê de medo, de alívio, felicidade... Ele ainda permaneceu imóvel para que a garota traspassasse seu braço direito pelo peito robusto, pousando-lhe a mão no ombro intumescido do possível nadador; e o esquerdo à volta da cintura do rapaz para esconder sua mão sob a camisa dele, como quem faz do umbigo um ninho aconchegante para o polegar gelado.

O ar frio ofegava satisfação naquele cumprimento meio acovardado e profundamente desejável e era preenchido pelo chuvisco que umedecia o caderno dele que repousava no banco e fora rapidamente afastado após um demorado beijo de bom dia para que desse lugar a ela e em seguida a ele. Há este meio-tempo vários guarda-chuvas já perambulavam pela praça e eles permaneciam imunes do cotidiano, enamorados e com os uniformes cheios de respingos na tênue sombra da árvore que os abrigava.

Tratavam certamente de amenidade, acontecimentos sorridentes, sob a chuva, a árvore, a fuga do colégio... sob meu olhar curioso e contagiado de tanta ternura. Então um sentimento antigo me invadiu: era uma nostalgia infinda, a saudade infinita de um futuro promissor que me acalentava na calçada contígua à praça, protegido pelo guarda-chuva sóbrio da gélida chuva que fazia os namorados aninharem-se no calor mútuo.

Sorriamos todos na confortável brisa de amor.

Um comentário:

Naira Cibele disse...

uau Joaquim! quanta lascívia misturado com romance misturado com inocência nesse texto!

bjão!