quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Três parágrafos de escape e uma respirada

Sei que calado não pioro a situação, contudo as palavras depois de formuladas deixam de ser apenas abstrações, ganham existência concreta e tomam de conta da gente de forma que elas têm de sair ou nos sufocam. Sinto que escrever não será para mim válvula de escape das palavras não ditas por muito tempo. Um grito urra por ganhar forma em ouvidos outros e não sei se aguentarei ou se quererei contê-lo por muito tempo.


Ó saber que a sacudidela não destruirá? Será que alguém cuja ansiedade tanta encobre a existência tem condição de encarar a vida? Não sei. Não sei. Não sei... não sei nem se tenho coragem de tentar saber. É desesperador – não! corrijo-me, sempre espera-se o pior nesta situação – é angustiante saber de tudo isso e não saber o que fazer. É um não-querer-desejoso-de-esperança que nos agarra pela consciência e ata-nos. E nunca afrouxa. E amarra sempre mais. E sempre mais, mais, mais... sempre.


É amor demais, cobrança demais, expectativa demais, ansiedade demais, estresse demais, xingamentos demais... presença demais. É bem isto: vivo em um ambiente de excessos. Logo eu, tão afeito à simplicidade, melhor dizendo, à sobriedade. Talvez seja esta a causa de minha repulsa por tudo que passe dos limites.


A respiração soltou-se novamente. Mas até quando?

domingo, 2 de agosto de 2009

O que não se diz em meias verdades

Beatriz ainda sentia em sua face esquerda a quentura a mão materna mandando-a calar a boca. Foi um roçar acalorado entre a tez pálida e primaveril da garota e a força raivosa de fim de outono da mãe, gerada quando se deixa escapulir o controle da vida d’outrem. O fato deixou a garota ao mesmo tempo satisfeita e assustada, não por intencionalmente provocá-la ou desconhecer o peso da mão de sua mãe – ela conhecia muito bem – mas, por pensar que este tipo de atitude tinha sido deixado para trás, assim como sua infância fora reduzida a sutis lembranças.


O que fazer então? Não sabia lidar com meias verdades, nunca soube e por mais que tentasse se acostumar jamais conseguiria. O que são meias verdades? Um pouco de mentira? Um pouco de omissão? Um pouco de artifício? Um pouco de manipulação? – a verdade, ela sabe muito bem o que é! É quando se está de saco-cheio do cabelão e se vai ao banheiro, e se passa a tesoura, deixando-o todo repicado; e quando se pergunta o porquê disso tudo e se responde factualmente: "porque eu quis". - Para Beatriz, isso é verdade. Para sua mãe isso é desrespeito.


Beatriz estava cansada de se polir, estava cansada de se adequar, estava cansada de saber que seus problemas são infinitamente menores que as proporções analisadas pela mãe. Na verdade, não eram os problemas de Beatriz que assolavam o sono de sua mãe; era a liberdade que emanava do maneirismo da garota, era o olhar infantil que Beatriz lançava para o desconhecido, que a preocupavam.


Tudo isso empesteava a cabeça da garota com tamanha violência que ela nem se deu conta da pancada da porta de seu quarto que abafava o soluçar convulso da mãe aos prantos. Foi apenas ao mirar-se no espelho que ela pode perceber que meias verdades marcam mais que verdades inteiras, causam mais inquietações que o impacto de revelações tardias e que o peso descomunal de arrastá-las era uma simples escolha de cada um. Se a mãe quisesse permanecer atrelada à pseudoverdades, ela é livre para isso. Assim como Beatriz é livre para não fingir que nada aconteceu.

Vacilante

In truitina mentis dubia fluctuant contraria lascivus amor et pudicitia. Sed eligo quod video, collum iugo prebeo: ad iugum tamen suave transeo.

Carmina Burana, apud SCHEMELLER, 1847


“No balanço de minha mente dúbia flutuam contrários, o amor lascivo e o pudor. Mas escolho o que vejo, e ofereço meu pescoço ao jugo, afinal, ao jugo suave atravesso.”

Canções de (Benedikt)beuern, apud SCHEMELLER, 1847